Afinal de contas, o que é uma igreja? Um prédio sem história e sem memória? Ou um espaço onde se reúnem pessoas para rezar? Um conjunto de traços históricos de um lugar em nome de uma fé? Ou um artefato qualquer que se pode demolir a qualquer hora?
Enfim, não vou me alongar nas questões. Mas eu diria que derrubar uma igreja com 100 anos de história me parece um tanto confuso para uma cidade como a nossa pequena São Sebastião do Tocantins. Quem decidiu esse projeto? A população foi consultada? Os fiéis mais próximos decidiram? A diocese e o bispado de Tocantinópolis deram anuência?
Trago algumas questões para pensarmos: nossa cidade tem como um de seus patrimônios a sua igreja, que não só representa a luta de um povo pobre, que a cada pedra em suas paredes colocou sua vida, sua fé, sua memória e sua história para contar sua crença. Igreja concluída por Pe. Josimo, que deu seu sangue em nome da luta contra a grilagem e da opressão do povo sofrido. O altar em formato de canoa, em madeira nativa, é expressão concreta da memória das enchentes recorrentes que, anualmente, transformavam a região em um grande oásis. Pe. Stanislaw, na memorável enchente de 1980, disse que as águas viriam até o beiral da igreja matriz, mas que dali não passariam. Profecia inconteste. Assim foi!
A torre foi abrigo de muitas famílias fugindo das cheias. Torre esta, inclusive, fruto de um curso de pedreiro dado a camponeses, pais de família, como contribuição à construção de um lugar para rezar com os seus. A pedra do sacrário, reluzente e branca, jamais se encontrará outra que reflita tamanha grandeza de nosso Jesus sacramentado, sob a intercessão de São Sebastião Mártir. Padres José Pedro, Stanislaw e Josimo (in memoriam), Hélio, Edno, Francivaldo e tantos outros, referências na comunidade, jamais proporiam tal projeto. Aliás, ajudaram a mantê-la da forma como está. Por muito menos que a histórica igreja de São Sebastião, a igreja de Buriti não foi derrubada. Fizeram outra, inclusive, atrás. Teria a de São Sebastião história menor?
Se coloca como sendo reforma um projeto que vai descaracterizar tudo o que vimos ou ainda vemos. Em princípio, era a reforma do telhado, mas agora é desmanchar para fazer outra. Mudar tudo! Os mosaicos históricos da torre, feitos em cerâmica trazida por Stanislaw da Polônia, se não me engano, são patrimônio sem precedentes, irretocáveis. As telhas, que nem se fabricam mais, e as madeiras, em peças únicas, sem emendas, medindo cerca de 10 metros de jacarandá, também serão descartadas. E falo isto não somente por aspectos de história, mas de fé, de tradição, de autoridade, de memória.
O partir do pão e o protetor São Sebastião são expressões concretas de fé local e do trabalho de muitos que nos precederam. Agora vem a modernidade para dizer que o tradicional e o histórico precisam mudar. É preferível mudar o coração, as intenções… Mas a igreja de pedra, vejo como controverso. Daqui a pouco, a nossa fachada será somente uma parede, semelhante a uma igreja evangélica, com o diferencial de ter um santo na fachada. Sem sino, sem rochas, sem portas de madeira, sem nada e, o pior: sem história. Aliás, se o caso é fazer uma igreja nova, construir outra custaria até bem menos que a demolição. Cadê o nosso compromisso com a história? Com a memória? Com aqueles que nos precederam?
Peço licença para citar dona Hilda e dona Tereza, que podem contar muito melhor do que eu a história dessa igreja. Acredito que não concordariam. Minha mãe, dona Aparecida, me contou tantas histórias de seus trabalhos como leiga por lá, que me enchem os olhos só de ouvir. Ouviria por mil vezes… Os festejos, com fogos soltados da torre, do sino tocado singelamente, do qual a gente se benze ao ouvir. Antigamente, ainda tinha “a voz”, que também já se foi…
Enfim, vejo como um irreparável prejuízo tal projeto. Tenho certeza da boa intenção do pároco atual, a quem me dirijo com todo respeito e sob sua bênção: em nome da memória dos que se foram, reveja este projeto. E convoco todos os munícipes a uma revisão da consciência. Ainda dá tempo de rever. Não custa e é necessário! E se há uma justificativa plausível para tal, que seja apresentada. Se de nada adiantar e o projeto seguir em frente, minha consciência estará tranquila. E fica aqui meu posicionamento.
Peço perdão, em nome de minhas crias, que não verão a igreja que eu vi, vivi, recebi sacramentos e cresci. Peço perdão também pelos eventuais erros de minha linguagem prolixa e inócua.
Professor Clebson Gomes, cidadão sansebastianense e se declara inconformado com este projeto.